Na busca policial que terminou com a prisão de Denis César Furtado, conhecido como “Doutor Bumbum”, a conduta do médico nas redes sociais foi exposta: ele publicava gravações de procedimentos estéticos semelhantes ao que levou a bancária Lilian Calixto à morte e fotos de “antes e depois” dos tratamentos feitos.
Esse tipo de “post” é proibido pelos códigos de ética do CFM (Conselho Federal de Medicina), do CFO (Conselho Federal de Odontologia) e do CFN (Conselho Federal de Nutricionistas). Contudo, profissionais de saúde burlam essas regras em busca de seguidores — e clientes.
No perfil da cirurgiã-dentista Ana Laura Fontana no Instagram, é possível vê-la usando um turbante azul sobre os cabelos loiros enquanto segura, de luvas pretas, um frasco de toxina botulínica. “AMO os resultados da #toxinabotulinica e vocês?!”, lê-se na legenda publicada no dia 21 de junho. Dentistas não podem fazer procedimentos estéticos com essa substância desde dezembro de 2017.
“A gente sabe da liminar. É só isso, meu amor? Boa tarde. Tchau”, foi o que respondeu uma das responsáveis pela clínica da odontóloga, que se identificou apenas como Odete. As perguntas eram: sabia que o código de ética da profissão proíbe a exposição de pacientes e que odontólogos são proibidos de aplicar toxina botulínica (botox) para fins estéticos? Ana Laura não quis dar entrevista.
Os seus 65 mil seguidores também podem acompanhar, em vídeos, alguns dos procedimentos feitos pela profissional, que tem registro ativo no Conselho Regional de Odontologia de Santa Catarina. Segundo o código, é proibida a utilização de imagens ou expressões antes, durante e depois, relativas a procedimentos. Na aba “recebidos”, ela também publica vídeos agradecendo os “mimos”, divulgando marcas de jalecos e de equipamentos utilizados durante a aplicação de botox.
O presidente do CFO, Juliano do Vale, afirma haver “um crescimento exagerado do número de usuários de redes sociais e, consequentemente, o aumento do número de postagens em desacordo com o código de ética”.
No Instagram, mais de 500 mil publicações usam a hashtag #silicone e mais de 345 mil, #cirurgiaplástica. Muitas são de perfis de profissionais e clínicas. Os comentários dos seguidores dão a dimensão de como as redes sociais se tornaram, de fato, uma vitrine para atrair pacientes. “Quando eu tiver muito dinheiro, vou aí”, diz uma internauta no perfil de Ana Laura. “Necessito desse tratamento”, afirma outra, em uma publicação da Clinée Medicina Estética. Com 16 mil seguidores, a clínica compara imagens de pessoas antes e depois de procedimentos como dermopigmentação de estrias e implante de próteses de silicone. Também divulga vídeos gravados durante aplicações de preenchimento nas nádegas.
Ao telefone, Débora Duarte diz ser sócia da Clinée, localizada em um shopping na Zona Oeste do Rio, e afirma saber das proibições. Ela argumenta que o perfil não pertence à sua empresa, mas sim a uma terceirizada contratada para a divulgação e, por isso, a clínica não estaria contrariando as regras do CFM.
O comportamento dos médicos nas redes sociais é regulado por três documentos do Conselho Federal: o código de ética e duas resoluções, de 2011 e de 2015. O texto mais recente proíbe profissionais e estabelecimentos de saúde de publicar “imagens do ‘antes e depois’ de procedimentos”. Mesmo publicações feitas por pacientes — se seguirem esse padrão e forem feitas “de modo reiterado e/ou sistemático” — deverão ser investigadas pelos conselhos regionais.
O presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, André Maranhão, explica que a entidade segue o código de ética do CFM e que abre “processos administrativos que variam de advertência a expulsão”. Em vigor desde 2010, o código proíbe divulgar informação de “forma sensacionalista” e “promocional”.
Já a resolução de 2011 proíbe os profissionais de exporem a figura de seu paciente como forma de divulgar técnica, método ou resultado de tratamento, ainda que com autorização expressa do mesmo”. A única exceção é para artigos científicos, e apenas nos casos em que a imagem é “imprescindível”.
Para o corregedor do CFM José Vinagre, uma das irregularidades mais frequentes é a promessa de resultados. Ele recomenda acessar o site do Conselho em vez de entrar no Instagram. A página da instituição permite verificar se o médico está registrado no conselho regional e se pode atuar na especialidade anunciada:
“O número de seguidores nas redes sociais não é indicativo para a escolha de um médico.”
O Sul.
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