Médicos estão cada vez mais preocupados com a crescente resistência bacteriana a antibióticos, alimentada pelo uso de drogas substitutas e menos eficazes, quando não há penicilina disponível.
A droga, já considerada um remédio milagroso, está escassa no mundo, pois poucas empresas ainda a fabricam.
Os laboratórios que elaboram o remédio, além de serem poucos, produzem quantidades baixas da droga. O medicamento não tem patente, gera pouco lucro e não há muitos dados sobre demanda.
Uma dose de benzatina penicilina, uma das formulações mais antigas do antibiótico, consegue curar os primeiros estágios da sífilis, doença mortal que assola a humanidade há mais de 500 anos e volta a crescer.
Com a falta do remédio, os médicos passaram a usar substitutos, como a azitromicina, antibiótico cada vez mais ineficaz contra certas cepas da bactéria da sífilis.
Uma das razões do surgimento da sífilis resistente é o uso extenso desses remédios, dizem cientistas da Universidade de Zurique, autores de um artigo de 2016 sobre as cepas resistentes da doença.
Embora a resistência a antibióticos seja um processo natural, a falta de remédios de primeira linha pode aumentar o risco de bactérias resistentes a antibióticos.
Um relatório recente do governo britânico estimou que 700 mil pessoas morrem por ano devido à resistência a medicamentos. O texto alerta que, se o problema não for atacado, bactérias resistentes podem causar a morte de até 10 milhões de pessoas por ano até 2050, com prejuízo de até US$ 100 trilhões para a economia mundial. ESCASSEZ MUNDIAL Nos últimos três anos, pelo menos 18 países, como África do Sul, EUA, Canadá, Portugal, França e Brasil, vêm enfrentando escassez de penicilina benzatina, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde). Com a produção restrita a poucas empresas, os países não conseguem fornecimento adequado.
Nos EUA, a escassez de penicilina benzatina, que já dura um ano, dificulta o tratamento da sífilis, crescente no país. A Pfizer, única fornecedora, não tem conseguido A Espanha registrou 3.522 casos de sífilis em 2011, um aumento de 314% desde 2001 atender à demanda devido a “atrasos de manufatura”.
No Brasil, a falta de penicilina benzatina, com início em 2014, foi seguida de um surto de sífilis, que também causa malformações graves em bebês. O antibiótico é o único capaz de matar a bactéria no feto; outros antibióticos — azitromicina, a ceftriaxona e a doxiciclina— não tratam a infecção no bebê. Além disso, remédios como a ceftriaxona custam o dobro da penicilina.
“A penicilina benzatina é a primeira e única opção para tratar a sífilis na gestação e a neurosífilis”, diz o infectologista Jorge Senise, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Se não tratada, a sífilis na gravidez pode deixar o recém nascido cego, surdo ou com malformações ósseas. A doença também é ligada a alto número de abortos espontâneos e mortalidade infantil.
No Recife, Débora S. M., que pediu para não ter seu nome completo revelado, deu à luz um bebê com neurossífilis, quando a bactéria da sífilis infecta o cérebro e o sistema nervoso central.
Mãe e filho poderiam ter sido tratados com uma única injeção de penicilina benzatina, mas Débora passou a gravidez sem fazer exames de prénatal. Ela foi várias vezes ao posto de saúde local, mas não havia médicos nem remédios.
No parto, Débora descobriu que estavam infectados. Após dez dias na maternidade, o bebê teve alta, mas precisará de acompanhamento médico por 18 meses. Ao fim desse tempo os médicos poderão avaliar se o bebê ficou com sequelas.
Apenas quatro empresas no mundo produzem o ingrediente ativo do antibiótico, e elas mantêm a produção de penicilina em níveis baixos, considerando que o remédio é pouco lucrativo.
Um estudo de 2011 da London School of Economics estimou que o valor líquido de antibióticos injetáveis é de US$100 milhões, enquanto a previsão para medicamentos para tratar desordens musculoesqueléticos, como a artrite, passa de US$1 bilhão.
“Precisamos de antibióticos novos, mas também precisamos preservar os que já existem, porque eles podem nos salvar agora”, diz a professora Céline Pulcini, do Centro Hospitalar Regional da Universidade de Nancy, que coordenou um estudo em 2015 sobre o desabastecimento de antibióticos antigos em 39 países.
“Resolver esse problema precisa ser uma das maiores prioridades de qualquer governo”, afirma. (Folhapress)
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